ironia, ainda que tardia

Thursday, October 22, 2009

Insídia

Ouço uma música sinuosa
Entrar pelos meus ouvidos,
Invadir a carne do meu corpo
E roubar os meus sentidos.

Ouço um som lascívo
Erigir debaixo da sua pele
Em movimentos tortuosos,
Lancinantes de veneno.

Ouço versos de pura insídia,
Sinto longe a sua perfídia,
A perversidade de outrora
Contra meu refrão apaixonado.

Por trás de cada sedução
Esconde-se uma espécie de ardil,
Armadilha em forma de música,
Canção sinuosa do seu corpo.

Liturgia

Minha liturgia do pecado
Não permite contrição,
Já não me arrependo mais,
Nem imploro seu perdão.
Minha prece é letra morta,
Não me serve de oração.

Meu pecado é insistir
No erro de continuar errado,
De seguir pecando,
De ainda ser pecado
E passear danado
Em meio a tanta danação.

Mas atire a primeira pedra
Quem não tem pecado,
E que atire as próximas
Aqueles que, como eu,
Já não têm perdão:
O pecado é nossa religião.

Desfio um rosário de ofensas,
Emendo contas nessa novena,
Desfio palavrões na cantilena,
Faço diabos com sua confissão,
Troco a sua penitência
Pela minha satisfação.

Eu digo o santo nome em vão,
Eu mato, eu roubo, traio,
Desafio a sua santidade
Em troca do meu desatino,
Em troca do último perdão de
Deus no dia do Juízo Final.

Verbo conjugado


Sou como um verbo conjugado
Na primeira pessoa do singular,
Sou sujeito sem predicados,
Sou a palavra em meu lugar.

Já fui o particípio passado
De um verbo que se chama amor,
Sou agora o pretérito imperfeito
De uma palavra que ainda dói.

Sou o verbo intransitivo,
Sem complemento nem rodeios,
Também já fui frase sem sujeito,
Mas hoje me conjugo sem receio.

A palavra que preside o pensamento
Não é a mesma que comanda os atos,
Não respeita a concordância,
Ignora as regras de regência verbal.

A palavra que me leva à loucura
É a mesma que conduz ao caos.

Tuesday, October 20, 2009

Morri na praia dos seus olhos
Enquanto seus cabelos se espraiavam
Na minha imaginação inocente
E tornavam minha saudade mais aguda.

Entre nós sobrou um livro
Escrito com as palavras que restaram
Nas entrelinhas do que não dissemos
E dos segredos que insistimos em guardar.

Parece até que não nadei suficiente
Para alcançar no seu semblante
O sorriso das primeiras horas da manhã
Quando seus olhos amanheciam em mim.

A água começa a alcançar os pés,
Que agora se afogam na areia.
E enquanto eu me lanço ao mar,
A maré engole as minhas pernas.

Não falta muito para que o farol adiante
Sirva apenas para velar o meu sono
Quando meu corpo se perder para sempre
Nas fossas abissais do mar a dentro.

Mas, se me serve de consolo,
Minha alma talvez se liberte
Entre uma ou outra onda
E chegue até a praia em forma de espuma,
Preenchendo buracos na areia,
Sem derrubar castelos de criança
Quando o dia enfim amanhecer.

Deus observa à espreita
Meus descaminhos
Enquanto eu faço o diabo
Para me perder.

Lança os olhos
Em forma de estrelas
Mas não me ajuda
A sair desse labirinto.

Sua vigília, na verdade,
Pouco importa,
Eu que saia sozinho
E o diabo que me carregue.