ironia, ainda que tardia

Sunday, December 04, 2005

Adeus, amor

Daniel Soleil Noir

Deitou-se entre a fresta dos seios dela, a ponto de padecer assim e assim morrer de amor. Repousou sobre aquela derme, quente e macia, quase como sobre um abrigo para suas últimas horas. Mas ele já havia deixado nas entrelinhas, há algumas poucas semanas, seu desejo de jazer ao seu lado. Como se o calor que se esvaísse de seu corpo pudesse permanecer vivo, agora no corpo dela. Queria o amparo de suas mãos pousando devagar por sobre a sua barba crespa, enquanto seu corpo inerte ia perdendo o resto de vida que aquela brusca enfermidade lhe deixara. Ele respirava com dificuldade, mas o suficiente para que enchesse os pulmões apenas com o cheiro dela, aquele odor que tanto bem lhe fazia. E aos poucos também foi se aproximando da própria ponta daqueles seios. Seus lábios entreabertos faziam até menção de sorver o conteúdo dos seus úberes. Mas a força que lhe faltava não permitia a conclusão daquele gesto frágil. Por mais que ela segurasse o pendor da cabeça dele contra os seios, amassando-os com a inércia de um corpo que um dia chegou a confundir com o seu - em noites de um amor mais tórrido, em noites de um amor sem fim. E quanto mais a vida se esvaía daquele corpo, menos ela se conformava, mais ela queria que o calor de sua pele passasse para a pele dele. Tê-lo deitado assim, junto aos seios, tornava-a também um pouco sua mãe. Só que ao invés de lhe proporcionar a vida, estava ali apenas para amparar-lhe a morte, um sono frio e doloroso do qual ela também desejava acordar. Pois quando ele dormisse, enfim, já não restariam forças nem para o último beijo.

Valsa de Eurídice

Vinícius de Morais

Tantas vezes já partiste
Que chego a desesperar
Chorei tanto, estou tão triste
Que já nem sei mais chorar
Oh, meu amado, não parta
Não parta de mim
Oh, uma partida que não tem fim
Não há nada que conforte
A falta dos olhos teus
Pensa que a saudade
Pode matar-me
Adeus