ironia, ainda que tardia

Wednesday, October 11, 2006

Weizen

Daniel Soleil Noir

Havia acabado de fincar sua raiz no corpo dela. E agora limitava-se a aproveitar aquele momento de dormência para lembrar que tinha acabado de conquistar um objetivo que há tanto tempo acalentava. Ao seu lado repousava uma menina. Uma menina como outra qualquer, com um nome tão prosaico quanto o das outras, mas capaz de se entregar de um jeito diferente de todas elas.

Atendia pelo nome de Martina. E chamada assim foi colhida pelas mãos inseguras de Bernardo sob uma ensolarada manhã de primavera. Ela parecia se oferecer passeando lépida pelos campos de trigo. Usava um chapéu de cor lilás que, mais do que propriamente protegê-la do calor, servia como mais um instrumento para flertar com ele àquela hora do dia.

Só quando teve os predicados de Martina entre suas duas mãos é que Bernardo viu a insegurança de outrora se esvair feito terra por entre os dedos. E assim já estava pronto para inspirar com calma o odor que daquela flor se desprendia. E de tão perto do nariz, não foi difícil que colhesse também a boca, a fim de lhe descobrir o sabor que ainda se escondia por entre os lábios.

O vento ia penteando o trigo da forma exata como Bernardo acariciava as madeixas de Martina. Ora com um sopro suave que lhe brotava da boca, ora com a espessura dos dedos escorrendo por entre a finura dos fios. Era um movimento contínuo, de uma carícia tal que nem mesmo Martina havia experimentado antes. Mas pelo jeito os fortes ventos do passado haviam mesmo ficado para trás.

Era mesmo raro ver algo crescer assim por aqueles campos. Mas foi só Bernardo bater os olhos para querer Martina junto de si. E agora, que acabara de possuí-la sobre aquela cama de feno, não poderia permitir que esse amor perdesse o viço. Estudava então o mínimo movimento das pálpebras cerradas de Martina. Talvez fosse mesmo possível traduzir seus sonhos de menina quase moça.

Não sem motivo, Bernardo duvidava um pouco de sua vocação para estender para todo o sempre o momento que passara. Nem se dava conta, no entanto, que já o esticava a partir da dormência do próprio corpo. Não tinha sono o bastante para que pudesse dormir, porém não estava desperto o suficiente para que contemplasse embevecido a nudez da jovem Martina.

As gotas de suor sobre a testa dela mais pareciam ter mesmo algum parentesco com o orvalho que cobria as folhas das plantas no Jardim do Éden. Seu corpo, que antes fremia de êxtase, agora tremia de frio. Não que houvesse alguma janela aberta, ou ainda uma fresta mal dissimulada. Existia, na verdade, uma diferença de temperatura entre o instante em que se conjugavam e a hora em que se recompunham daquela extensiva labuta.

As roupas caídas sobre o chão também pareciam folhas caídas de outono, derreadas depois de despencarem dos galhos daqueles dois jovens. E, desse modo, assumiam a condição de meras testemunhas do fôlego de extensa lavoura que aqueles dois corpos empreendiam um em favor do outro.

E foi por meio da seiva que lhe escorria da ponta do sexo que Bernardo semeou sua vida naquele ventre ainda virgem, naquele solo cheio de um húmus de libido, impossível de se encontrar em qualquer outra menina mais abastada no perímetro urbano. Era fértil o calor daquela pele, bem como também era quente o sabor daquela terra que os alimentava.

Mas onde teria estado a inocência de Martina durante esse tempo todo? Onde estaria essa inocência no momento em que ela engolia com ensaiada gula a raiz do amor que tanto bendissera? Qual seria o sabor da carne que logo esbarraria em seus dentes enquanto a fome de sua língua envolveria ansiosa a cabeça daquele membro?

Ela gozava de uma felicidade que nunca havia sentido, o que permitia que misturasse um riso incontido com algumas lágrimas a escorrer do canto dos olhos. Pequena, cabia toda sob o corpo de Bernardo, debaixo de sua pele masculina melada de transpiração. Sua derme delicada, bem como a entrada de sua cona apertada, era coberta por uma penugem loura como o trigo.


Quando acordou, Martina debulhou através dos poros um desejo ainda mais incontrolável por Bernardo. Queria senti-lo de novo, abrir-se como um favo à espera de seu amor. Precisava, contudo, manter sua aparência de menina para que ele não tivesse uma impressão equivocada do seu orgasmo. E desse modo os dois se amariam novamente até que a luz do novo dia viesse ceifá-los daquele chão.

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