ironia, ainda que tardia

Tuesday, August 29, 2006

vamos godard outra vez?

Confesso que não me empolguei com os últimos dois filmes do François Ozon. Cheguei até a cogitar ver 5x2 e O Tempo que Resta, mas logo desisti. Não custa especular um pouquinho para saber qual seria a razão disso. Afinal de contas, logo no primeiro filme que assisti do cineasta, já o coloquei entre os principais diretores europeus da atualidade, prestes a consolidar uma obra importante.

O que teria me desestimulado em relação a François Ozon?

O primeiro filme que eu vi do diretor foi Gota D’água Sobre Pedras Escaldantes, no longínquo ano de 2001. O roteiro foi baseado em uma peça de Fassbinder, que chegou a ser amigo de Ozon antes de sua morte prematura. E não posso negar que me senti diante de uma obra-prima, opinião que mantenho até hoje.

Entre os pontos fortes dessa adaptação, além do enredo em si, está o fato de a estrutura da peça ter sido transposta para as telas como se estivesse voltando a ser encenada no teatro. São apenas quatro personagens, que interagem dentro de um único ambiente, sem cenas externas ou qualquer maneirismo. Os personagens, semelhantes a outros dentro da obra de Fassbinder, ocupam na película o limiar entre a alegoria e suas respectivas personalidades.

Logo depois que Gota D’água Sobre Pedras Escaldantes saiu de cartaz em São Paulo, François Ozon se transformou em um verdadeiro hit do cinema europeu na capital paulista. Basta lembrar de Sob a Areia, exibido no começo de 2002. Aqui, a introspecção é a palavra chave do roteiro, capaz até de minimizar a importância dos personagens que orbitam em torno da protagonista.

Depois, veio 8 Mulheres, um musical com Catherine Deneuve e outras entre as principais atrizes francesas, como Isabelle Huppert, Fanny Ardant e até a promissora Ludivine Sagnier, que já havia aparecido em Gota D’água Sobre Pedras Escaldantes e que seria a protagonista de Swimming Pool, que vi em 2003 - quando François Ozon já parecia ser mais um objeto de culto.

Quatro filmes depois, já não consigo mais enxergar a possibilidade de uma obra, na acepção da palavra. Vejo, na verdade, uma filmografia irregular, de quem aos poucos foi perdendo tanto a poesia quanto a ousadia vista em Gota D’água Sobre Pedras Escaldantes. Mesmo a temática, que poderia ser um fio condutor entre os filmes de François Ozon, não parece conferir uma unidade aos trabalhos do cineasta – seja falando de uma temática subliminar ou não.

Ao contrário da minha sensação anterior, Ozon já não me aparece como o mais representativo diretor do cinema francês nos dias de hoje. Mesmo os Sonhadores, do italiano Bernardo Bertolucci, fica à frente de outros filmes que compõem o currículo do colega François Ozon – embora sempre seja extremamente leviano tecer comparações desse gênero.

Mesmo assim, continuo considerando Gota D’água Sobre Pedras Escaldantes uma obra-prima. O filme conta a história de um cinqüentão que mantém um caso com um rapaz mais jovem. Quando ele viaja, o garoto continua morando em seu apartamento, onde recebe a visita de uma suposta ex-namorada (Ludivine Sagnier). No momento em que o cinqüentão volta, o conflito passa a se desenrolar com as três personagens, até a chegada de um transexual, antigo caso do dono do apartamento onde transcorre a ação do filme.

Ozon usa a luz incipiente e determinados enquadramentos para dizer além das palavras que compõem as falas das personagens. É esse clima, que também recebe uma contribuição do próprio cenário, que acentua o que há de excepcional no roteiro baseado na peça de Fassbinder. É isso também, pelo menos na minha opinião, que transforma os outros filmes de Ozon em longas superficiais, afogados pelo freqüente maneirismo do cinema europeu atual.

Tomemos como exemplo O Tempo que Resta, que está atualmente em cartaz em São Paulo. Mais uma vez preciso ressaltar que não cheguei a vê-lo. Mas li a sinopse: jovem fotógrafo com câncer vive os últimos momentos de sua vida antes de morrer por conta da doença. Tudo bem: Ozon trata o assunto a seu modo. Basta ver que o fotógrafo é homossexual e contracena com Jeanne Moreau, uma das principais atrizes francesas nos tempos da Nouvelle Vague.

Mas devo admitir também que, na verdade, fiquei com uma sensação de déjà vu depois de ler a sinopse. Embora aborde outro tema, a eutanásia, não pude deixar de lembrar de Mar a Dentro, Oscar de Melhor Filme estrangeiro em 2005, se não me engano. E juro que prefiro manter na memória a grande atuação do espanhol Javier Bardem do que ficar babando ovo para gente fingindo que faz cinema com profundidade, para depois ficar cagando regra por aí.

O comentário acima pode até ter sido preconceituoso, eu reconheço, mas o que interessa é que eu penso dessa forma e talvez nunca assista aos últimos dois filmes de François Ozon: 5x2 e O Tempo que Resta – embora o cartaz de 5x2 tenha sido papel de parede do meu celular até pouco tempo atrás.


Não agüento mais ver Páginas da Vida. E quem me conhece sabe disso. Tenho a nítida sensação de que Manoel Carlos está plagiando a si próprio. Os conflitos são praticamente os mesmos de folhetins anteriores. E a Bossa Nova usada para o consumo diário me irrita profundamente. É como se transformassem a poesia de Tom e Vinicius em artigo de segunda linha. Não dá!

Além do mais, os conflitos de Páginas da Vida me parecem mais previsíveis do que os de novelas anteriores do próprio Manoel Carlos. O autor ainda insiste em querer trazer suas teses para as entrelinhas, investindo em uma análise psicológica do binômio feminino/masculino que não passa de lugar-comum.

Existem ainda papéis que eu detesto profundamente. Como o patriarca representado por Tarcísio Meira, que insiste em querer manter a família toda em torno da sua órbita. Será que ninguém ali naquela família acredita que seria mais bacana viver longe da barra da saia do pai ou do avô? Isso sem contar a Viviane Pasmanter, cuja personagem chega a ser patética na minha opinião.

Tudo isso para dizer que a pior coisa que pode ocorrer a um artista é entrar na roda-viva de se repetir o tempo todo. Talvez signifique a morte. Esse é um dos motivos para que, guardadas as devidas proporções, eu nunca mais tenha escrito nada – nem o romance que eu estava programando, nem os contos que eu vinha produzindo. A falta de tempo também contribuiu, mas quando ele existiu, faltou coragem suficiente para enfrentar a página vazia.

Vejamos o exemplo do Chico Buarque. Embora eu ainda seja seu fã, preciso admitir que suas atuais composições soam como mera masturbação se compararmos com o que foi sua produção até os anos oitenta. Sua poesia perdeu aquela atualidade e o que tinha de mais coloquial. As canções passaram a contar com um lirismo pra lá de artificial, como se o tesão de outros tempos tivesse ido embora para nunca mais voltar.

Ninguém quer que Chico Buarque reescreva marcos da Música Popular Brasileira como A Banda, O que Será?, Eu te Amo, entre outros. Fazer isso seria seguir a linha de copiar a si próprio, que eu tanto condeno. Só lamento, porém, que Chico tenha perdido a mão da poesia e se entregado a uma métrica de criança quando escreve poema no colégio para mostrar para a professora.

O leitor não sabe o quanto isso me irrita. Principalmente quando eu mesmo percebo que perdi um pouco a mão da escrita, seja por um motivo ou por outro. Se o homem tem pelo menos três objetivos na vida, ainda preciso ter um filho e escrever um livro. Quanto à árvore, lembro que plantei uma ainda na terceira série, quando estudava no famigerado colégio Salesiano.

E outra: quem disse que Manoel Carlos chega a ser um artista, pelo menos na acepção da palavra para o que defino como tal?

Por falar em Salesiano, achei engraçado saber que o José Wilker também passou por um colégio desses. Talvez isso justifique ainda mais o fato de o cara ser uma das maiores figuraças de todos os tempos...

Ontem, o Wilker estava ao lado do Marco Ricca no programa do Jô Soares. O mesmo Marco Ricca que passou quase desapercebido na platéia do primeiro debate presidencial da Bandeirantes em 2006. Digo quase, pois pude notá-lo sentando a uma cadeira na lateral esquerda do auditório. E cabe uma pergunta: não é sintomático que, na ausência de Lula, Ricardo III tenha aparecido na ocasião? Seria o fantasma de Shakespeare dando as caras nas eleições?

Detalhe: Ricardo III vai passando por deformações ao longo da peça. E a falta de um dos dedos da mão está longe de ser a única deformidade de Lula. Basta lembrar dos escândalos que estouraram no ano passado, entre eles o do mensalão. O fato é que a imagem do Lula que começou o governo está bem longe da imagem do mesmo Lula que vemos agora, embora ele lidere com folga as últimas pesquisas divulgadas nos meios de comunicação.

O engraçado é que esse Ricardo III é careca, ao contrário do Ricardo III do Celso Frateschi, mas a exemplo de Hamlet, outro personagem da obra de Shakespeare. Pode parecer alguma espécie de loucura minha dizer isso, mas seria lugar-comum querer parafrasear a fala em que o protagonista diz que “há algo de podre no Reino da Dinamarca”? Essa é pra pensar...

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