ironia, ainda que tardia

Friday, September 15, 2006

Sünde (Pecado)

Daniel Soleil Noir

Não era amor o que sentia exatamente por Estela. Era pecado o nome do sentimento que nutria, o nome da sensação que o dominava por completo. Pecou logo ao conhecê-la. Pecou ao querê-la para si. Ao despi-la com os olhos com a gula de um desesperado. Ao imaginá-la dessa forma em seus sonhos de luxúria. Chegou a querer evitá-la em um certo momento, certo de que poderia se purgar um dia, mas a beleza dela bastava para tornar inútil qualquer tentativa.

Seus cabelos irradiavam a luz do sol. Desciam livres até os ombros, emoldurando o rosto bonito. Sua pele clara chegava até a ganhar um rubor quase infantil sempre que sua timidez se revelava: um traço a mais de sua personalidade a alimentar o fascínio de Augusto por ela. Mas isso, no entanto, não teria sido suficiente para tirá-lo do sério. Foi a proximidade do pecado o estopim para a paixão que começou a sentir por aquela mulher cada vez mais próxima.

E o diabo era justamente isso: a cada dia ela estava cada vez mais perto. Sempre que se cruzavam pelos corredores, Augusto evitava o olhar de Estela. Sabia que não voltaria ileso caso o olhar de ambos também se cruzasse, mesmo sem querer, por pura obra do destino. Um dia seria pego desprevenido, é verdade... não haveria mais como evitar. Mas mantinha a obsessão de se esquivar, ao menos, da hipótese de que aquele pecado tomasse uma abrangência ainda maior.

No entanto, não conseguia parar de observar cada gesto de Estela ao longo do dia. O modo como passava os cabelos por trás da orelha. O jeito de se virar na cadeira. A voz baixa, fraca, suave, acompanhada sempre por um olhar hesitante, indeciso, sem foco. Às vezes parava tudo para prender os cabelos em um rabo de cavalo. Em outras, arranjava um momento no meio do expediente para um copo de chá, tomando-o devagarinho, esperando o tempo passar.

Mas o pecado maior ainda estava por vir. E veio quando Augusto já nem parecia mais ter ciência de que ele poderia chegar. Olhou, por acidente, nos olhos dela. Isso já foi suficiente para fazer subir a temperatura de seu próprio corpo. Só que ela também se desconcertou de repente. Parecia ter perdido um pouco o rumo de si mesma. Quando se deu conta, já estava nos braços dele, e só então percebeu, enfim, que ela também pecava.

Augusto tinha acabado de atravessar a rua quando isso aconteceu. Era hora do almoço e o sol forte dava aquela sensação de um verão fora de hora, embora a praia estivesse milhas e milhas distante dali. E mesmo quando colocou um dos pés sobre a guia, não percebeu que ela vinha andando sozinha na direção contrária. Quando notou, já era tarde. Não havia mais como desviar, evitar um encontro, um cumprimento educado que fosse...

Era hora de sentir o que ele ainda não sentira. O momento de saber o sabor daqueles lábios, os quais já se movimentavam docemente colados à sua boca. Era hora, em suma, de cometer aquele pecado, um pecado que até ali estava apenas na iminência de se consumar.

A consumação definitiva veio por meio do regozijo de ambos os corpos atados um ao outro durante todo o restante da tarde. Augusto mergulhava sobre a pele de Estela como que para esquecer o seio amargo da ex-esposa. Mais do que a vontade, havia a necessidade de deixar para trás o gosto salgado da pele da ex-mulher, apagar qualquer reminiscência que pudesse remetê-lo aos tempos em que o amor dela era mais um fardo a pesar sobre seus ombros.

Estela, por sua vez, chorava.

Ela estava gostando de sentir a boca de Augusto em seu seio, mas a lembrança do marido era capaz de assaltá-la com um sentimento de culpa que, pelo menos a princípio, não conseguia dominar. Ao perceber as lágrimas que escorriam pelo rosto da amante, Augusto buscou traduzir a sua comiseração, precipitando assim ainda mais os movimentos, aumentando o volume dos músculos retesados sobre o corpo dela, arfando a ponto de se transformar num animal.

Por outro lado, esse mesmo Augusto procurava dosar sua volúpia sobre o mamilo de Estela. Enxergava-o como uma pétala de rosa clara; sugava-o como a um botão em flor. Não queria exagerar. Não podia sequer pensar em machucá-lo. E foi só ao pensar nisso que ele atinou que não poderia deixar marcas daquele pecado no corpo delicado de Estela. Não podia deixar rastros de que havia passado por ela, sob pena de denunciá-los a respeito daquele adultério.

Só quando a mão de Augusto começou a dominar seus quadris, Estela parou de chorar. Engoliu o choro em favor de algo que já se precipitava em suas entranhas. E no instante em que não pôde mais segurar, deixou escapar um grito e chamou de amor o que, na verdade, era pecado.

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