ironia, ainda que tardia

Wednesday, August 30, 2006

La Siesta

Daniel Soleil Noir

Serviu-se do corpo dela como se ele também tivesse sido posto à mesa. Atirou-se contra aquela pele, esfaimado depois de tanto tempo. Suava devido ao calor e por causa do excesso de libido que havia tomado conta do ambiente. E ao adiantar-se sobre aquela derme crua, amassou-lhe os seios com seu torso nu.

Embora seminua, ela apenas fatiava os tomates sobre a mesa da cozinha. Estava completamente absorvida pelo prato que preparava para ambos. Nem se dera conta, por isso, que ele estava a observá-la naquele momento, depois de terminada a pescaria, milhas e milhas distante da praia.

Os peixes que trouxera já estavam em uma bacia nos fundos da casa. E por conta do calor fortíssimo, foi socorrer-se na cozinha, em busca de um copo d’água. Sabia que ela estaria lá, mas não dera muita atenção a isso, pelo menos a princípio. Queria apenas conter o próprio suor. Mas ao vê-la, percebeu que o efeito foi completamente oposto.

Ela assustou-se ao ter a cintura cingida pelos seus braços rijos. Sua primeira reação foi largar a faca e os tomates sobre a velha tábua de madeira. Mas permitiu que o corpo do amante, almiscarado pela própria transpiração, envolvesse sua silhueta - embora aquilo interrompesse o preparo da comida.

Enquanto se beijavam, as mãos dele apressavam-se em percorrer-lhe os quadris. E aos poucos ia oferecendo-se como se ela fosse a própria ceia, deitando-se ela mesma sobre a mesa, confirmando a impressão inicial.

Os dois tinham a pele temperada pelo sol daqueles dias. Ela, contudo, só estava um pouco corada, com o rosto tendo ganhado apenas um tom suave de vermelho. Ele, ao contrário, tomara um aspecto completamente dourado, quase como se sua derme pudesse ganhar também a cor daqueles raios de sol.

Naquele exato instante, os amantes abdicaram de qualquer etiqueta à mesa e contorceram-se como bichos sobre a toalha de pano, que tinha acabado de sair do armário. Ela a havia esticado ainda pela manhã, mas estava longe de querer lamentar a hipótese de que viesse a trocá-la de novo mais tarde.

Não demorou muito para que ele recebesse como uma dádiva o gozo da amante debaixo de seu corpo. Os pêlos dela crispando-se debaixo dos seus pêlos... Chegou a erguer um pouco o torso antes de mergulhar enfim, e também se entregar ao momento daquele clímax em plena hora do almoço.

“Durante aquelas horas mortas, em que meu destino torto me afastava de você, era só com este momento que eu sonhava. Mas era preciso contar o tempo, subtrair as horas, exigir do relógio a pressa que ele não poderia me dar. Hoje eu sei que nada poderia me alimentar melhor a alma que o seu êxtase”.

O coração dela batia a uma velocidade tamanha, num ritmo a ponto de inflar-lhe o peito sob o peito ele. E era justamente com a respiração dele que ela agora refrescava o rosto exaltado pelos minutos anteriores. Porém, não seguiu o exemplo do amante; evitou as palavras, sem forças para dizer qualquer coisa.

Uma brisa calma até fez menção de soprar a cortina da cozinha, mas ainda era muito pouco para apaziguar uma temperatura tão alta. Ela servia para anunciar a tarde que chegava aos poucos, com o sol já nem tão a pino assim. Só que nada – nem o tempo – seria capaz de colocar fim naquele instante.

Os dois faziam uma sesta silenciosa. Estavam quase adormecendo enquanto ouviam o barulho das ondas do mar quebrando na praia. Era a senha para o repouso da carne, para o merecido descanso após tanto furor. Mesmo assim, o corpo dela ainda insistia em repetir o frêmito por horas a fio.

“Bem-aventurado é quem se alimenta do seu corpo e se pode ver assim saciado para todo o sempre. Você era o exato motivo da minha fome. A sua falta era a razão desse vazio dentro de mim. Não sei o porquê de eu ter aceitado ficar tão longe de você. Mas agora que estou aqui, deixo para trás o resto do mundo”.

Ela só foi acordar no início da noite. Ele, por sua vez, havia passado o tempo todo velando o seu sono. Sentindo o odor suave de seus cabelos, que se espalhavam pelo tampo de mogno, com a mesa já descoberta. Ouvindo atencioso o ressonar dela como se ouvisse a sua própria respiração.

Até a hora em que ela resolveu dizer alguma coisa, pedindo-lhe – implorando
, quem sabe – para que ele não saísse para pescar no dia seguinte.

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