ironia, ainda que tardia

Monday, January 17, 2005

Pós-adolescência

Daniel Soleil Noir

Quando me viu de novo, anos depois de nossa última vez, notou que eu não envelhecera tanto quanto ela e que preservara a juventude de outrora. Confesso que também fiquei surpreso com seus quarenta anos de vida, completados, pelo jeito, na semana passada. E percebi, enfim, de uma vez por todas, que aqueles que possuem uma sina não estampam no rosto os prejuízos da passagem do tempo e das mudanças climáticas sobre a face da Terra.

Eu tinha vinte anos quando nos despedimos. Nossos sonhos já malogrados nos mergulharam, à época, num oceano de melancolia que não condizia em nada com a nossa tenra idade. Estávamos perdendo a sagrada oportunidade de sermos felizes enquanto jovens. Derreados sobre as areias do Arpoador, observando a calmaria da maré e a segurança de nossos respectivos lares, ancorados atrás de nós, que supriam nossas necessidades mais materiais. Só que apesar disso tudo, essa segurança não nos bastava, e inventamos, um dia, ao cair da tarde, de nos apaixonar.

Eu sequer sabia o nome dela, enquanto ela já havia ouvido falar do meu. E não sei até hoje a razão para que eu gozasse de certa fama naquela praia. Diziam as línguas de então que eu era conhecido por conta do violão e da bossa que insistia em dedilhar. E eu que sempre acreditei que fosse pela aparência um tanto esquisita, de quem não possuía mais que o talento de tocar as canções dos outros e esconder a própria poesia. As meninas me perguntavam se meus cabelos eram loiros de verdade e eu respondia que sim, como os de toda a família. E me limitava a observá-las discretamente, guardando cada detalhe de seus corpos para formar, em minha imaginação pós-adolescente, a mulher perfeita, aquela que seria a razão de minhas poluções em solitárias noites de outono.

Até que um dia descobrimos um ao outro definitivamente, num fim de tarde de maré baixa, quando a espuma da água salgada mal alcançava os nossos pés. Mas eu não me fiz de rogado em alcançar a maçã direita de seu rosto bonito. E quando me lancei ao outro lado do pomo, que a mim também se oferecia, senti, na realidade, o gosto de seus lábios. Fomos embora, em seguida, antes que as estrelas pudessem nos testemunhar e espalhar por aí o que fizéramos juntos.

Hoje sim tenho a exata medida do que fizéramos. Ou talvez não. Porque talvez, se tivesse percebido realmente, saberia então que aquilo não passara somente de um amor passageiro, um romance pós-adolescente.

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