ironia, ainda que tardia

Friday, January 18, 2008

Pranto

Daniel Pereira Frazão

São sete horas da manhã e uma moça bonita chora no ponto de ônibus de uma movimentada avenida de São Paulo. Não chore não, menina bonita, se não vai borrar a maquiagem. Mas este não é um choro copioso, não. É apenas uma lágrima que escorre. Uma lágrima caudalosa, única, que, ao chegar ao final de seu rosto, talvez penda um breve instante antes de se transformar em uma gota na calçada.

Pobre menina triste. Não lhe ocorre a possibilidade de interromper, com um dos dedos, o percurso de seu choro. Sua expressão, aliás, permanece inalterada. Mantém o semblante lívido, calmo, a postura tranqüila e os braços cruzados, com os pés lado a lado, junto ao meio fio. As outras pessoas, que se aglomeram no ponto, sequer percebem que a moça bonita está chorando. E ninguém se aproxima dela com a intenção de secar aquela lágrima inesperada.

Enquanto isso, eu me pergunto o que ela fará quando seu ônibus chegar, enfim. Será que terá coragem de subir, mesmo com uma lágrima rolando sobre uma das faces, prestes a precipitar-se? Ou vai esperar que o choro seque para que assim tome coragem de subir os degraus à porta do coletivo? É difícil saber. Preciso parar minha rotina para observá-la e satisfazer minha curiosidade.

Ontem, praticamente neste mesmo horário, mas uns três pontos antes, era outra moça que chorava. Suas lágrimas, no entanto, eram mais copiosas e as demais expressões de seu rosto também estampavam sua tristeza. Até então, não era comum ver mulheres aos prantos assim, no meio da rua. Qual era a razão de tanto choro? E os soluços que revelavam um pouco mais a intensidade de sua dor...

A menina do dia anterior, por sua vez, não estava sozinha. Nem todos ao redor estavam indiferentes. Uma mulher mais velha lhe dizia algumas palavras de conforto, enquanto passava os cabelos da moça chorosa entre as frestas dos dedos de sua mão esquerda. O problema era que a confusão de carros na avenida não permitia que eu escutasse qualquer frase. Eu via somente os lábios de ambas contornarem o desconsolo de uma e a consolação da outra.

E se eu, de repente, me dispusesse a consolar a moça que agora chora à minha frente? Sim, eu poderia me redimir da indiferença de outrora com outras moças que um dia já choraram perto de mim. Eu só precisaria me aproximar com discrição, colocar a mão sobre um de seus ombros e perguntar, com a voz moderadamente baixa, se poderia lhe ajudar com algo. Estaria, desse modo, disposto a fazer qualquer coisa que colocasse fim àquele pranto.

Lembro agora, porém, que se trata de uma lágrima apenas. E que, antes que eu possa me aproximar dela, esse choro já pode ter chegado ao fim, tendo deixado somente um rastro salgado sobre aquele rosto delicado. Por mais que ela precisasse de uma atenção, ou de algum conforto, não haveria mais razão para que eu me intrometesse, pois sua tristeza não seria mais tão evidente.

Observo o semblante das outras pessoas ao nosso redor no ponto de ônibus e imagino que cada uma delas talvez tenha suas próprias tristezas, mesmo que elas não façam brotar de seus olhos uma lágrima que seja. E por que não choram também? Por que insistem em esperar seus respectivos ônibus, debaixo desse sol de verão, que as nuvens brancas no céu não conseguem encobrir?

Percebo que errados, nessa história, estão justamente aqueles que não choram. Aqueles cujos sapatos apertam os pés, espremem calos, sufocam os dedos. Cujo cansaço pesa sobre seus ombros fracos. Aqueles que se conformam por não enxergar o horizonte, obstruído pelos prédios que se aglomeram até o infinito – ou pelo menos até onde a visão humana consegue alcançar.

Eles não choram, talvez, porque sintam vergonha, ou porque não queiram demonstrar tal desconsolo aos olhos da multidão. É provável até que não chorem por estarem acostumados ao sofrimento do dia-a-dia. Assim, não deixam escorrer uma única lágrima. Esse poderia ser até mesmo o caso da menina que me chama a atenção neste momento - surpreendida por uma lágrima que saiu do seu controle, mas que daqui a pouco secará para sempre, logo após cair no chão.


Mas antes que eu possa imaginar qualquer outra possibilidade, ou mesmo hesitar mais uma vez sobre a chance de consolá-la, um ônibus encosta junto ao ponto e ela embarca. Não tenho mais como saber, ao menos, se ela continua chorando, ou se outra lágrima começa a brotar de algum de seus olhos. A moça desaparece para sempre, pois, em uma cidade grande como São Paulo, é bem provável que eu nunca mais a veja.

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